Eles vem nos visitar



    Andava meio distraído e desanimado, já era final de setembro e nada de bom havia acontecido na minha vida no decorrer daquele ano. Decidi então que no próximo mês eu me isolaria. Era minhas férias trabalhistas, já que não iria viajar, faria uma lista de coisas bacanas que eu gosto e assim passaria o meu mês de outubro, sem muitas surpresas e sem muitas decepções. Principalmente sem ninguém no meu pé, sem aparelhos telefônicos tocando o tempo todo, sem notificações de e-mail na tela do meu computador, sem o café com gosto de pano que Marisa preparava todas as manhãs no escritório e ninguém tinha coragem de reprimi-la, eu memo prepararia o meu próprio café, forte e sem açúcar. Graças a Deus havia chegado a minha paz, eu já sentia o cheiro do descanso e da liberdade prontinhos para invadir a vida.
       É chegado o último dia de trabalho, meu sorriso quer sair, mas eu seguro. Minimizo meus pensamentos positivos, é o último dia, mas ainda é dia, tenho algumas horas estupefatas pela frente.
     Atendo um último telefonema, entranho por sinal, a ligação cortava e eu conseguia escutar alguns ruídos, alguma interferência maluca. Então desliguei. Quem quer que fosse, ligaria novamente. Mas não ligou. Então o ponteiro do relógio chega finalmente onde deveria chegar, já é 19:00. Ajeito apressadamente minhas coisas, me despeço de Américo, o único que considero ali dentro, dou um sorriso de leve para os demais e desejo um ótimo mês de trabalho. Logo saio e bato a porta atrás de mim, foi sem querer, mas a sensação é maravilhosa, então apresso-me em descer as escadas e passar pela portaria, dizendo um breve adeus para Joana, quem fosse me dar a bronca pela batida na porta, só me alcançaria no próximo mês.
       Assim que saio, sinto o cheiro de ar fresco, observo as ruas, parece um mundo diferente do que deixei aqui fora antes de entrar no trabalho, me sinto livre.
      Cinco dias em casa, maratonando filmes e séries, comendo porcarias e sendo feliz, sei que isso é um pecado, preciso ir à academia e cuidar mais de mim, porém nessa primeira semana, não vai rolar, preciso desse tempo sem fazer absolutamente nada.
     Sento-me a mesa para jantar, minha mãe andava bem feliz por aqueles dias, fazia tempo que não a via assim. Eu ficava feliz em vê-la feliz. Ela cantarola uma canção do “depeche mode” enquanto preparava a mesa e me encarava sorridente. O cheiro estava ótimo, purê de abóbora, carne assada com batatas e arroz branco com azeitonas, era simples, mas ela cozinhava muito bem, o tempero dela era sempre o amor, parece meio clichê, mas é verdade, ela adorava cozinhar, e eu adorava comer, vivíamos felizes e satisfeitos por isso. No meio do jantar, enquanto conversávamos sobre o meu futuro, pois ainda não sabia que rumo eu tomaria, se faria faculdade, se concertava carros igual ao meu pai, se viraria musico com meu violão e minha voz lenta. Isso preocupava minha mãe, mas eu definitivamente não tinha planos, não pensei sobre isso, e se eu tivesse pensado, talvez tudo seria diferente. Um jovem de 23 anos já deveria estar em um rumo.
       Naquela mesma noite o celular dela tocou, ela atendeu, confusa por alguns segundos e logo desligou. Quando perguntei quem era, ela não soube dizer, disse que havia falhas na ligação e que não conseguiu entender, como a chamada era de um número não identificado, não tinha como retornar, esperamos que a pessoa retornasse à ligação, mas não retornou. Depois de ajuda-la com a louça, me recolhi para meu aposento, quanta formalidade rs. O vento estava forte aquela noite, parecia que alguém assoviava em minha janela e balançava a cortina tentando me assustar, mas eu já era assustado. Então fechei a janela rapidamente, me deitei e liguei a tv, no noticiário passava algo sobre algum apagão na cidade vizinha, quando aumentei o volume para entender melhor, a tv desligou, a luz do corredor que ficava acessa, apagou, sentei-me rapidamente na cama observando incessantemente a escuridão, quando avistei uma pequena luz vindo em minha direção, era minha mãe com uma vela, o pavor já havia tomado conta de mim, mas lá estava ela para me salvar, com um pequeno toco de vela e mais um pacote aberto com 5 velas, ela vinha com cuidado e preocupada, sabia que eu era desesperado e medroso, corajoso, porém o medo sempre esteva lá. Ela sentou-se ao meu lado, perguntou se eu estava bem, sorri com o medo estridente no olhar, mas eu estava bem, ela estava lá. Ficamos alguns minutos em silencio enquanto o toco de vela derretia e o cheiro se espalhava pelo quarto. Ela se levantou para preparar um espaço na cômoda, onde colocaria mais uma vela, antes de acender, escutamos um som de copo caindo na cozinha, no andar de baixo, poderia ser um copo, um prato ou sei lá, mas nos assustou, então ela rapidamente acendeu a vela, foi até a porta, observou a escuridão, fechou a porta e voltou para a minha cama, onde me encarou assustada e disse: - Deve ter sido o vento!
Então sorriu, mas dava para ver a preocupação em seu sorriso. Eu abracei e disse que estava tudo bem, pois naquele momento congelado, estava tudo bem mesmo. Alguns minutos se passaram, pegamos mais um cobertor no guarda-roupa e fizemos a cama, pois estava bagunçada. Logo escutamos algo cair na sala de jantar, o arrepio subiu pelo meu corpo, olhei minha mãe, ela me encarava. Peguei o celular, disquei o número da polícia, mas nada aconteceu, ninguém atendia. Logo escutamos alguns passos na escada, porém logo cessou. Ficamos pálidos e imóveis, quando senti o celular vibrando em minha mão, era mais uma ligação desconhecida. Olhei para a tela do telefone, olhei para a minha mãe, ela ainda me encarava, então atendi. Novamente um chiado estranho invadia meu ouvido direito, logo silenciou, quando olhei para a tela do telefone novamente, já não funcionava mais. O aparelho não ligava, entrei em desespero, pois sabia que algo estranho estava acontecendo. Minha mãe sentou-se na cama, começou procurar seu telefone pelos bolsos, mas havia esquecido em seu quarto. Então verifiquei se a porta estava trancada, não estava. Logo a tranquei. O quarto ficava cada vez mais gelado, não escutávamos nenhum barulho desde o último. Adormecemos.
     Quando acordei, minha mãe não estava no quarto, senti o cheiro de café fresco, sabia que ela estava fazendo o café da manhã que eu sentia tanta falta! Tentei limpar a mente e esquecer a noite passada, tomei um banho quente, escovei os dentes. Quando entrei na cozinha percebi que quem preparava o café era um homem, alto, cabelos grisalhos, usava uma camisa xadrez, uma calça preta e um sapatênis gasto. Ele me olhou, sorriu e me deu bom dia, eu sem entender perguntei: - Cadê minha mãe?
- Do que está falando, Harry?
- Quem é você? E cadê a minha mãe?
Corri para o meu quarto e fechei a porta, já estava nervoso, suando frio e minha respiração estava ofegante. Eu não fazia ideia do que estava acontecendo, eu não conhecia aquele homem na cozinha. Não poderia continuar ali com um estranho, então sai pelos cômodos procurando a minha mãe para sairmos dali.
O homem parou em minha frente quando caminhei em direção a porta da frente, cabisbaixo por não encontrar a minha mãe.
- Harry, sente-se aqui! Você andou tendo mais uma crise? Sua mãe se foi, já faz muito tempo. Pode conversar comigo. Sonhou com ela?
Eu não havia sonhado com a minha mãe, eu a vi, eu a senti, eu conversei com ela. Mas não compartilharia nada disso com esse estranho. E o que ele quis dizer com “sua mãe se foi”?
Fiquei sentado pensando por alguns minutos, em minha contagem, mas na verdade, horas haviam se passado. Não estava entendendo mais nada. Logo uma mulher vestida de jaleco branco entrou pela porta em que eu pretendia sair.
- Bom dia, senhor Willian. Olá, Harry! Seu tio me contou que teve mais uma crise, eu sinto muito, vou examinar você e logo se sentirá melhor.
 Ela olhava fixamente em meus olhos enquanto falava sorrindo, aparentava ser um robô, agia friamente sem qualquer vestígio de emoção. Havia um nome bordado em azul em seu jaleco “Clínica psiquiátrica Esmeralda”
Logo recordei-me de tudo, houve uma época em que eu era medicado diariamente, era trancado em um quarto azul escuro com cheiro de flores e defunto, eu passava noites no escuro, com medo, chamando pela minha mãe, mas ela nunca veio, ela estava morta. Meu tio me colocou naquele lugar depois que ela se foi.
Quanto tempo se passou? Por qual motivo estou aqui de volta? O que essa mulher fará comigo?
Levantei-me agilmente para correr, foi instinto de sobrevivência. Abri a porta e passei por ela.
Parei no mesmo instante. Era noite de halloween, as crianças passeavam fantasiadas, carregando seus baldes de doces. A frente da casa estava decorada com corpos espalhados pelo quintal, sangue falso e abóboras macabras. A noite estava fria, a neblina chegava vagarosamente e se espalhava entre nós, logo atrás de mim, estava o Senhor Willian e a enfermeira que não sei o nome. Espantado, de longe eu a avistei, era ela, era minha mãe, caminhando descalça, de vestido florido e sorrindo, caminhava em nossa direção. Então Senhor Willian e a enfermeira tocaram juntos o meu ombro, cada um de um lado. – Toda noite de halloween os mortos andam entre os vivos, sempre foi assim, querido! Que bom que agora também pode vê-los. Disse a enfermeira, sorrindo roboticamente para mim.

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